A sola do tênis surrado mal fazia barulho contra a escada de tabaco, anos de experiência lhe permitiram subir praticamente de olhos fechados, pulando os degraus de dois em dois.
Chegou ofegante no quarto, encontrando quem procurava.
O garoto de estatura baixa para o padrão da idade estava sentado de frente para a janela. Ela queria poder pintar a cena antes que o de olhos amendoados notasse sua presença e mudasse de posição, arruinando a perfeita regra dos três terços que a janela com o céu extremamente alaranjado compunha junto a ele.
Suspirando resignada logo se conformou quando ele voltou a cabeça em sua direção, inclinou o corpo para trás e apoiou seu peso sobre os braços esticados atrás de si enquanto voltou os olhos para o céu
- Você se lembra quando tínhamos oito anos? – houve uma pausa onde ela o incentivou a prosseguir – Você sempre foi boa em entender as pessoas, muito antes que elas próprias entendessem. Foi você quem me disse que as pessoas tinham esse horrível habito de mentir, em geral os adultos porque eles não conseguiam seguir em frente de outra forma.
Os amendoados brilharam enquanto seus lábios se esticaram num sorriso nostálgico. E ela apenas esperou parada.
- Você me dizia sobre como as pessoas eram porque sabia que eu era frágil. De certa forma, ingênuo demais. Mas, ao mesmo tempo, você me empurrava para conseguir andar sozinho, você fazia perguntas e me deixava achar as repostas, você dizia quando era hora de me virar sozinho.
Ele suspirou e se inclinou para frente, escondendo o rosto contra as mãos.
- Mas desta vez, eu juro que não sei a resposta. Por favor, diga-me, o que está havendo?
E então ela entendeu. Entendeu o porquê da mensagem desesperada em sua secretária eletrônica. Entendeu porque correu desesperadamente e atropelou várias senhoras inocentes que não tiveram a gentileza de saírem rápido de seu caminho. Sua expressão curiosa suavizou-se e um sorriso doce, que não foi notado pelo outro, despontou em seus lábios.
- Você está amando – respondeu simples, sem mistérios.
- Não – ele negou prontamente – eu já amei outras vezes... Não era assim
- Porque agora não é igual às outras vezes
Ele abraçou os joelhos e escondeu o rosto entre eles, balançando-se levemente para frente e para trás.
- Eu estou tão ferrado. Desde quando você sabia?
- Há uns três meses. Achei que perceberia na hora certa
- Na hora certa de cometer um suicídio?
Ela riu, estava acostumada com o drama do menor
- Céus. Eu esperava que todas as histórias que eu li pra você antes de dormir, que todos os finais que mudei de algumas dessas histórias, tivessem te alertado para este momento.
- Você mudou o final de algumas histórias? – Perguntou surpreso voltando o olhar para trás
Ela assentiu sorrindo como quem pede desculpas
- A Feurinha teve um final feliz
- Uau. Então porque não me contou apenas finais tristes? Porque me deixou conhecer a fantasia dos finais felizes? – perguntou olhando novamente para frente
Ela sorriu cansada e se aproximou finalmente, contornando seu pescoço num abraço levemente desajeitado por estar de pé enquanto ele estava sentado. Depositou um beijo fraternal em sua cabeça e voltou a sorrir, olhando para o céu que os amendoados também observava.
- Porque eu queria que você soubesse que entre tantas histórias que dão errado, uma tem final certo para nós.
Ele sorriu com um pouco mais de vontade. Ela sabia fazê-lo perceber que nem tudo estava perdido. O menor inclinou a cabeça para trás apoiando-se nela que deixou os braços frouxos em volta dele num abraço leve e confortável.
Oh, ele com certeza estava ferrado.
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